Obesidade infantil: como entender o comportamento alimentar de crianças obesas

abril 12, 2017 Publicado por Unknown Sem comentários
Pais que têm mais de um filho frequentemente reparam algo desde muito cedo, eles notam que cada um deles se comporta de maneira diferente em relação à alimentação.

Pais de crianças obesas normalmente notam que seus filhos adoram comer, que não podem passar diante de uma comida saborosa sem querer comê-la, mesmo quando acabaram de ter uma boa refeição. Eles reclamam que seus filhos imploram por comida quando saem para fazer compras e servem-se direto da geladeira quando estão crescidos o suficiente para abri-la. Contam que as crianças chegam até mesmo a encontrar comidas colocadas em lugares escondidos e que fazem birra quando os pais tentam moderar seu comportamento alimentar.





Como entender o comportamento alimentar de crianças obesas

As três fomes

Uma paciente jovem, que sofria de obesidade, explicou que ela tinha três tipos de fome: a fome da boca, a fome do estômago e a fome do coração.


A fome da boca

A paciente explicou que a fome da boca – os sabores de certos alimentos – era tão maravilhosa e avassaladora que ela não se sentia saciada até o momento em que já não restasse nada do alimento saboroso para comer. Ela deu o exemplo de quando fez brownies tão gostosos que não conseguiu se conter até que tivesse comido a assadeira inteira. Só então percebeu que tinha comido tanto que teve medo de se mexer e seu estômago explodir. Contou ainda que ficou sentada lá, imóvel por um longo tempo, até se sentir segura para se movimentar.

Embora o exemplo acima possa parecer extremo, ele descreve o que pode ser observado, em vários níveis, em crianças que parecem ser muito atraídas por alimentos. Uma mãe de uma criança obesa, ainda bem pequena, disse que tinha medo de levar sua filha a festas de aniversário porque ela poderia ficar plantada na mesa comendo enquanto as outras crianças estivessem ocupadas brincando.

Esses exemplos demonstram o que já foi descrito na literatura científica como responsividade aumentada para sinais alimentares externos, que leva crianças obesas a comerem alimentos saborosos e apetitosos na ausência de fome.


A fome do estômago

Uma queixa comum de pais de filhos obesos é que essas crianças não parecem saber quando parar de comer e que frequentemente comem até que não haja mais comida. Uma família contou que, ao testar sua filha de 2 anos para saber se ela era capaz de dizer quando estava satisfeita, descobriu que a menina continuava comendo e pedindo mais sem reconhecer que sua barriga estava cheia. Ela comeu até parecer ficar cansada e então teve de ser carregada para a cama porque estava muito cheia e cansada para andar.

Novamente, esse é um caso extremo que descreve uma característica comum, embora certas vezes menos grave, das crianças obesas: a de que elas têm pouca consciência de quando estão saciadas e de quando precisam parar de comer.


A fome do coração

Muitas vezes, quando estão estressadas ou chateadas, beber e comer faz as crianças obesas se tranquilizarem. Ainda bem pequenas, elas querem a mamadeira para se acalmar e, à medida que crescem, passam a gostar de bebidas doces para buscar conforto emocional. Também aprendem a comer, especialmente lanchinhos, para manter longe sentimentos desconfortáveis, e choram se o alimento lhes é recusado. Na literatura, isso é descrito como comer emocional.


O que podemos aprender a partir dos estudos científicos

Como os pais frequentemente percebem as diferenças no comportamento alimentar de seus filhos desde pequenos, eles muitas vezes ficam imaginando quanto desse comportamento é hereditário. Um estudo inicial com gêmeos e adoções feito por Stunkard et al. (1986) registrou que até 80% da diferença em adiposidade (gordura do corpo) pode ser atribuída a fatores genéticos.


1. Crianças obesas comem em um ritmo mais rápido

Liewellyn et al. (2008) relataram que em uma observação, durante as refeições, de crianças com diferentes pesos, o ritmo para comer tinha correlação com o peso de cada criança. Aquelas com sobrepeso e as obesas tinham um ritmo mais rápido, seguidas por aquelas de peso normal; as que estavam no limite inferior do peso normal apresentaram o ritmo mais lento. Pais de crianças com sobrepeso geralmente se queixam de que seus filhos “devoram” a comida, enquanto aqueles que têm filhos abaixo do peso dizem exatamente o contrário – que comem tão lentamente que as refeições se estendem por uma hora ou mais.


2. Crianças obesas respondem mais a sinais alimentares

Hill et al. (2008) descreveram que crianças obesas diferem em sua resposta a sinais alimentares. Elas são mais propensas a comer na ausência de fome quando expostas a alimentos apetitosos. Como mencionado anteriormente, a “fome da boca” parece levá-las a querer comer coisas saborosas sem considerar se estão ou não com fome.


3. Crianças obesas têm pouca consciência da saciedade

Wardle e Carnell (2009) demostraram que crianças de pesos diferentes têm respostas distintas à sensação de quando estão satisfeitas e devem parar de comer. Quando observaram a medida da circunferência abdominal de um grande grupo de crianças e compararam sua responsividade à saciedade, descobriram que quanto maior a circunferência abdominal delas, menor sua consciência de saciedade e maior o prazer que tinham com a comida.

Outro estudo, de Jansen et al. (2003), observou que, quando ganham um lanche antes da refeição, as crianças de peso normal ajustam sua ingestão de alimentos comendo menos na refeição que se segue, enquanto as crianças obesas comem tanto quanto o fariam de qualquer maneira, e ainda mais se expostas a comidas apetitosas.

Essa baixa consciência de saciedade foi descrita anteriormente como “fome do estômago”. As crianças parecem gostar tanto da comida que não reconhecem quando estão saciadas e precisam parar de comer. É difícil saber se seus sinais de saciedade são inerentemente fracos, se a “fome da boca” se sobrepõe a esses sinais ou se há uma combinação das duas coisas.


Crianças obesas envolvem-se com o comer emocional


Além das três características hereditárias descritas, as pesquisas iniciais de Braet e Van Strien (1997) mostraram que as crianças obesas envolvem-se com o comer emocional, que se correlaciona a sentimentos negativos de competência física. Como ilustrado anteriormente em “fome do coração”, crianças obesas desde cedo veem a experiência de beber e comer como tranquilizadora e aprendem a depender da alimentação para regular suas emoções.


Como os pais podem ajudar seus filhos a regular internamente sua alimentação

Pela utilização das diretrizes alimentares, os pais podem facilitar a regulação interna da alimentação nas crianças. Essas diretrizes são úteis para todas elas. No entanto, são especialmente importantes para as que comem pouco ou em excesso. Esboçaremos como determinadas diretrizes são especialmente importantes para aquelas que comem demais.


1. Aprender a diferenciar fome de saciedade

Tenha refeições regulares e um lanche à tarde, separados por intervalos de três a quatro horas, sem permissão para comer ou beber qualquer coisa entre as refeições, exceto água.

Para uma família normal, o café da manhã pode ser por volta das 7h-8h; almoço em torno do meio-dia; lanche da tarde por volta das 15h; jantar à mesa em torno das 18h30–19h. Antes que essas diretrizes sejam implementadas, os pais devem explicá-las aos filhos de modo que saibam o que esperar e que devem estar preparados para o fato de não mais haver permissão para comer lanchinhos entre as refeições estabelecidas. Quando as crianças protestam e querem comer em outros horários, devem ser informadas de que é obrigatório esperar até a próxima refeição ou lanche.

Quando se permite que comam somente dentro dos horários estabelecidos, as crianças começam a experimentar a sensação de fome e podem então aprender a diferenciá-la da saciedade no final da refeição. Elas também aprendem que devemos comer quando estamos com fome no estômago e não quando há uma comida saborosa por perto.

As crianças precisam receber uma mensagem clara de que comer é algo que se faz apenas durante as refeições e não em qualquer outra situação.


2. Reconhecer a saciedade e o ritmo lento da alimentação

Sirva pequenas porções e permita que a criança tenha outras adicionais até que reconheça que está saciada.

Os pais não devem restringir os filhos durante as refeições, mas permitir que comam pequenas porções até que fiquem conscientes de que seu estômago está cheio. Servir pequenas porções e permitir que a criança repita pela segunda, terceira ou quarta vez também desacelera seu ritmo de alimentação.

Esse é um processo de aprendizagem e pode levar um tempo, embora algumas crianças, aprendam em poucos dias quando estão saciadas e precisam parar de comer. Antes de servir a próxima porção, os pais devem perguntar: “Sua barriga ainda está com fome ou está cheia?” Isso ajuda a criança a direcionar sua atenção para o estômago e a verificar “como ele se sente”.

Os pais também devem comentar suas sensações de fome e saciedade e, em vez de dizer “Acabei”, podem se condicionar a fazer a modelagem para seus filhos dizendo “Estou cheio”. Essa linguagem se traduzirá em aumento da consciência das sensações de fome e saciedade.


3. Aprender a comer alimentos apetitosos em pequenas porções

Não tenha lanchinhos e doces à disposição em casa para não tentar a criança, mas, de tempos em tempos, esses alimentos podem fazer parte da refeição regular, e permita que ela possa comê-los primeiro, se assim ela quiser.

Esse é um dos maiores desafios para as crianças e seus pais. A obesidade aumentou não apenas em países ocidentais, mas também na Ásia, uma vez que há maior disponibilidade de lanchinhos saborosos, alimentos altamente processados, ricos em carboidratos e gordura, e doces. Crianças ganham doces como expressão de atenção dos familiares, de afeição ou como uma recompensa, e recebem agrados que frequentemente são uma ida à sorveteria ou ao McDonald’s. Elas ouvem muitas vezes que têm de comer primeiro o alimento saudável antes de experimentar uma sobremesa doce. 

Todos esses costumes se transformaram de tal forma em parte da cultura que os pais estão desatentos à mensagem que enviamos para as crianças ao fazer isso e seguem ignorando por que tantas crianças ficam “viciadas em doces”.

Desde muito novas, as crianças formam fortes associações entre experiências emocionais e as comidas que lhes são oferecidas. Ao oferecermos guloseimas a elas ao mesmo tempo que expressamos nosso afeto, os doces ficam mais doces, e, ao negarmos a sobremesa até que a criança coma os “alimentos saudáveis”, depreciamos o valor destes em sua mente e fazemos aquela mais especial. Por outro lado, quando a sobremesa se transforma em apenas outro alimento da refeição, a criança deixará de supervalorizá-la e aprenderá a comê-la com moderação.

Nesta cultura em que vivemos, as crianças precisam ser expostas a alimentos menos saudáveis e mais doces, a chamada junk food, para que aprendam a comê-los sem avidez. Isso pode ser feito servindo sobremesas de tempos em tempos, mas não todo dia nem em toda a refeição. Algumas famílias acharam útil ter “dias de sobremesa” em determinadas datas da semana, como terças, quintas e domingos. Isso foi particularmente útil para crianças que estavam acostumadas a ter sobremesas em todas as refeições.

Além disso, os pais devem limitar a quantidade de sobremesa oferecida ao filho. Se a criança pedir mais, eles podem dizer: “Isso é tudo que temos para esta refeição. Você pode comer mais em outro dia.”

Como mencionado anteriormente, os pais devem permitir que o filho coma a sobremesa na ordem que preferir – seja primeiro, seja por último. Desse modo, a criança pode escolher quando comê-la e a sobremesa deixará de ser usada como uma recompensa por ela ter comido alimentos mais saudáveis. 

Curiosamente, alguns pais contaram que no início os filhos queriam comer a sobremesa primeiro, mas, depois de algum tempo, quando perceberam que isso não importava para os pais, decidiram comê-la por último.

Essas sugestões são úteis para todas as crianças, mas são mais importantes para aquelas que querem comer alimentos saborosos logo ao vê-los e que gostam tanto deles que não percebem quando já estão saciadas.


4. Aprender a se acalmar sem a ajuda da comida

Entre 1 e 3 anos, as crianças precisam aprender a regular a alimentação, o sono e as emoções.
Essa é a idade na qual elas mostram sua frustração quando as coisas não caminham à sua maneira e fazem as famosas “birras”. Essa é a fase em que os pais precisam ensinar aos filhos que determinados comportamentos não são aceitáveis. Dependendo do temperamento da criança, esse pode ser um período de desenvolvimento muito desafiador. Algumas aprendem a interromper seu comportamento malcriado quando os pais lhes fazem uma advertência firme, como: “Não faça isso.” Contudo, outras testam os limites e mesmo depois de repetidos avisos olham diretamente nos olhos dos pais e continuam a fazer o que lhes agrada.

Algumas crianças forçam os limites e tentam controlar seus pais. O que ambos aprendem durante esse tempestuoso período de desenvolvimento é que tomar mamadeira e comer lanch nhos podem tranquilizá-las e mantê-las calmas. Isso é especialmente efetivo em crianças que gostam de beber ou comer. Elas aprendem que, quando tomam mamadeira ou comem, podem ficar calmas. Muitos pais viajam com mamadeiras e “coisinhas para comer” para ajudar seus filhos a se manterem calmos quando ficam aborrecidos ou agitados durante uma viagem, ou quando estão no mercadinho ou no consultório médico. Contudo, essa é a maneira como as crianças aprendem o comer emocional para lidar com a “fome do coração”.

Esses anos iniciais são críticos para ensinar as crianças a diferenciarem a fome física das necessidades emocionais. Os pais precisam alimentar seus filhos nos horários das refeições, quando eles estão com fome, e não devem oferecer mamadeiras ou comida em outros momentos quando pedem para beber ou comer para tranquilizar suas emoções. Os filhos podem ficar aflitos e fazer birra quando os pais não cedem, mas eles precisam aprender a se acalmar sem a comida. 


5. Aprender a ver televisão ou ir ao cinema sem comer

É melhor não estabelecer hábitos desajustados de alimentação quando a criança é nova porque fica cada vez mais difícil mudar à medida que ela fica mais velha.


Comer diante da televisão é uma combinação que se transformou em um hábito muito comum na sociedade. Aparentemente, todos fazem isso e ninguém parece questionar se esse hábito é uma boa ideia. Pipoca e cinema ficaram tão interligados que as crianças contam com ela, salgadinhos ou guloseimas para realmente aproveitarem o filme. O que os pais precisam saber é que, quando as crianças comem e assistem a um filme interessante, elas não prestam atenção se estão satisfeitas ou não. Crianças com pouco apetite podem se esquecer da pipoca enquanto estão entretidas com o filme; entretanto, aquelas que gostam de comidas saborosas comerão sem levar em conta a fome até que o alimento ou o filme acabem.


Conclusão

As diretrizes alimentares funcionam somente quando ambos os pais participam e podem ajustar seus próprios comportamentos alimentares para modelar hábitos de alimentação saudáveis para seus filhos. Isso não é fácil e frequentemente requer mudanças em seu estilo de vida.

Embora inicialmente possa ser difícil ter refeições regulares e abster-se de comer nos intervalos entre elas, uma vez estabelecidos, esses hábitos proporcionam estrutura e previsibilidade para a vida familiar, o que, por sua vez, proporciona segurança para as crianças.

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